Um santo sênior na unidade | Cooperação Cristã

Obs: Sênior é uma expressão utilizada para indicar um nível mais avançado ou uma experiência maior em determinado assunto.

Entre 1875 e 1892, George Müller viajou o mundo pregando com sete objetivos em vista. O quarto deles era “Promover entre todos os crentes verdadeiros o amor fraternal; para levá-los a dar menos importância nos itens não essenciais em que os discípulos diferem, e dar mais importância para as grandes verdades essenciais e verdades fundamentais nas quais todos os verdadeiros crentes estão unidos”.

Nenhum cristão verdadeiro deveria relevar tal objetivo. No entanto, desde que essas palavras foram ditas, nenhum grande avanço foi feito para atingir este objetivo. Como isso pode ser explicado? Eu apresento algumas razões para isso.

A unidade tem sido frequentemente almejada por aqueles que não são defensores das “grandes verdades fundamentais”. “Unidade” – interpretada como unidade organizacional – tem sido tratada como um bom remédio para deter o declínio da influência cristã, com a prioridade focada na “comunhão”, e não na “doutrina”. Em Atos 2:41 vemos o oposto, sendo a doutrina priorizada e a comunhão uma consequência;

A busca pela unidade em torno de personalidades e pregadores (a ameaça enfrentada pelos corintos) nunca acabada, embora isso pareça ter uma vida curta de sucesso;

A chamada de Müller para “dar menos importância às coisas não essenciais” não é direta, e a própria frase é passível de interpretação errônea. Verdadeiros crentes discordam sim sobre algumas questões nas Escrituras – como por exemplo o governo da igreja e a ordenança do batismo, para começar. No entanto, a história mostrou que todas as tentativas de minimizar essas diferenças e, assim, acabar com as denominações, irão fracassar. Os crentes terão convicções sobre tudo o que a Escritura revela. A política de John Wesley, entre outros, de considerar qualquer coisa “não fundamental” como “mera opinião” não é boa o suficiente. Dada a nossa compreensão imperfeita, como cristãos falhos, e a necessidade de um acordo corporativo em algumas questões secundárias, as denominações de um tipo ou de outro permanecerão. É melhor para nós aceitarmos esse fato e, como disse J.C. Ryle, manter as paredes o mais baixo possível e apertar as mãos uns dos outros com frequência [1]. Isso não é negar que a distinção entre verdades secundárias e fundamentais, embora nem sempre seja fácil de determinar, é importante;

Cristãos em unidade

Os cristãos concordam que a unidade é o dom do Espírito Santo (Efésios 4: 3). Acontece que quando os crentes experimentam mais de Sua graça e poder, o vínculo entre eles crescerá. Por outro lado, o que Illiam Hamilton disse uma vez é verdade: “Quanto mais carnal é um cristão, mais sectário ele será”. Um derramamento do Espírito sempre traz maior unidade. O que Daniel Baker relatou como ocorrido no avivamento em Beaufort, Carolina do Sul, foi verdade em muitas partes dos Estados na época do Segundo Grande Despertar:

“O efeito ninguém que não esteve presente pode conceber. As políticas foram postas de lado; os negócios ficaram parados … A união das seitas produzidas na ocasião não foram as características menos marcantes do evento. Distinções foram postas de lado. Cristãos de todas as denominações se encontraram e O adoraram em conjunto, indiscriminadamente em ambas as igrejas, e a cordialidade do apego mútuo foi um comentário vivo sobre o grande preceito de seu Mestre “Amar uns aos outros”. [2]

Foi uma unidade desse tipo, então amplamente apreciada, que deu origem aos grandes esforços trans denominacionais do século XIX que moldaram a história do mundo. Estou falando de sociedades missionárias, sociedades da Bible and Tract, nas quais havia uma cooperação mais ampla do que se era conhecida. Lembrar-se disso deve restringir nossas controvérsias sobre questões que não dizem respeito diretamente ao próprio evangelho. George Whitefield nunca teria realizado o que fez se não tivesse agido segundo o princípio “Desespero-me de uma união maior entre as igrejas, até que uma medida maior do Espírito seja derramada do alto. Por isso, estou resolvido simplesmente a pregar o evangelho de Cristo e a deixar que outros briguem por si mesmos e com eles mesmos” [3].

Quais são as necessidades da cena contemporânea em relação à unidade?

Em uma era de indiferença doutrinária, precisamos estar atentos para a dificuldade de obedecer à injunção de “seguir a paz com todos os homens” enquanto disputamos a fé. A esse respeito, devemos fazer o máximo para evitar termos depreciativos ao falar de companheiros cristãos. Todas as etiquetas de identidade distintivas devem ser usadas com muita parcimônia. Os cristãos devem amar e servir uns aos outros em todas as circunstâncias.

Precisamos estar atentos à ameaça que os serviços inocentes de ajuste ao gosto musical da cultura moderna representam para a reverente adoração a Deus. As obras poderosas de Deus sempre foram acompanhadas mais por admiração, penitência e silêncio do que por barulho e “celebração”. A prática, assim como a fé, precisa estar de acordo com a simplicidade do Novo Testamento. O temor a Deus e o conforto do Espírito Santo pertencem um ao outro (Atos 9:31). Os verdadeiros adoradores devem saber algo do que é dito de Jacó: “Ele estava com medo e disse: ‘Quão incrível é este lugar! Isto não é outro senão a casa de Deus e esta é a porta dos céus ” (Gênesis 28:17)”.

Em vez de tentar formar novas alianças e organizações, precisamos discernir o que Deus está fazendo. Seu trabalho durará por toda a eternidade. É uma das esperanças mais brilhantes nos Estados Unidos neste momento que os pregadores do evangelho, de diferentes origens denominacionais, estão se reunindo espontaneamente em uma preocupação comum para promover a causa de Cristo. Essa causa não precisa de novos rótulos ou estruturas; acima de tudo, precisa da unção do Espírito, mais oração, amor e humildade. Anúncios de sucesso, ou satisfação com números, devem ser temidos e não buscados. O trabalho de Deus não precisa de publicidade. Um verdadeiro avanço e recuperação será marcado pelo sentimento de fraqueza e necessidade de dar toda a glória a Deus. Não nos detenhamos em procurar um verdadeiro despertar espiritual!

Notas finais:

I have written on “Church Unity and Christian Unity” in The Old Evangelicalism (Edinburgh: Banner of Truth, 2005).

Making Many Glad, The Life and Labours of Daniel Baker, W. Baker (Edinburgh: Banner of Truth, 2000), p.149.

Life of Whitefield,L.Tyerman, vol.1 (London: Hodder and Stoughton, 1876), p.552.

 


Originalmente publicado em inglês como: “A Senior Saint on Unity” por Iain H. Murray. Usado com permissão da 9marks, Washington- DC 20002 https://www.9marks.org
Link original: http://www.9marks.org/wp-content/uploads/2008/02/ejournal200852marapr.pdf
Traduzido por Gustavo Carvalho