Segurei o velho parafuso da prateleira, e as memórias voltaram . . . Haviamos completado um retiro com 15 seminaristas num sitio no interior. Oito alunos se enfiaram como sardinhas no nosso carro pequeno, e comecei a levá-los para a cidade mais próxima, onde pegariam ônibus para suas casas.
Cinco quilometros no caminho, numa estrada de terra deserta, aconteceu: o motor tossiu, pifou, e expirou. Nossa inspeção revelou o pior–uma trilha de óleo como uma cobra de 5 quilometros, voltando até o sitio. Nosso carro ferido havia sangrado até a morte, vitima de um mecanico cruel que trocou o óleo, mas não apertou o parafuso, que havia sumido.
Quando finalmente chegamos ns cidade, um alvo dominava nosso pensamento: achar um novo parafuso, acrescentar óleo, e tentar persuadir o carro para voltar à civilização. Foi mais fácil falar do que fazer! Quando finalmente chegamos na ultima auto-peças da cidade, já era tarde. Mas as luzes ainda estavam acesas, e havia um ultimo freguês no balcão. Nossa esperança desapareceu, porém, quando ouvimos a resposta tão familiar, “Desculpa, senhor, mas não temos aquela peça.”
De volta na rua, fiquei indignado. Para que este gasto desnecessário de tempo e dinheiro? Naquele instante uma voz atrás de mim nos chamou. Não foi o Senhor, mas Ele não podia ter falado mais alto numa voz audivel. Foi o freguês, chamando-nos para segui-lo até seu pick-up. Lá ele mostrou uma peça muito parecida com o nosso parafuso. Explicou: “Moro fora da cidade, num sitio mais ou menos 10 quilometros daqui. Hoje estava passeando com meu cachorro, quando vi essa peça no chão no meio da rua. Não sei porque, mas joguei-a no meu carro, e esqueci até agora, quando ouvi você falando com o balconista.”
Foi então que entendi. Não haviamos achado uma outra peça–foi a nossa peça que encontramos neste lugar tão inesperado. Uma coincidência? Não, foi um daqueles momentos tão raros na vida quando Deus abriu a cortina do céu por um instante e me lembrou da Sua soberana fidelidade. Passei vergonha por ter duvidado dEle. Ele me lembrou que cuida de cada detalhe das nossas vidas; mais que isso, agora eu tinha mais um memorial da fidelidade de Deus para guardar na nossa prateleira de memórias.
Quando pessoas ouvem a palavra “memorial”, muitas vezes pensam em lugares e estatuas como na Ipiranga, ou talvez na Praça Nacional de Brasilia. Estatuas e predios como estes comemoram alguns pontos altos da nossa história, e os mantêm vivos na consciência nacional.
Para o cristão, memoriais recordam a fidelidade de Deus e celebram Suas intervenções graciosas em nossas vidas. Como simbolos tangiveis, nos encorajam a lembrar ocasiões marcantes durante nossa peregrinação na rodovia da vida, momentos quando Deus dramaticamente dissipou a neblina e nos deu uma rápida vista do Seu cuidado soberano. Memoriais ensaiam os milagres da vida, grandes e pequenos. Precisamos deles porque, conforme o velho ditado, elefantes não esqueçam, mas o homem, sim.
“Papai, conta outra vez a história do Cheque.” Devolvo o velho parafuso para a prateleira, e tiro um cheque descontado há muito tempo.
“Querida, quando mamãe tinha somente um semestre de faculdade faltando para terminar, pensávamos que não daria para ela se formar. Precisava de muito dinheiro, ou teria que sair da escola, e nós teriamos que esperar para nos casar. Mas de ultima hora, Deus lhe deu até mais que ela precisava. Mamãe terminou o curso, nos casamos, e agora estamos vivendo felizes para sempre!”
“Papai, se Deus não tivesse dado aquele dinheiro, eu estaria aqui hoje?” . . .
Quem precisa de memoriais? Todos nós, porque nosso banco de memória tende a esquecer aqueles momentos incriveis quando Deus invadiu nossas vidas para nos resgatar. Memoriais estimulam a recordação, chamando-nos de volta, convidando-nos para reviver aquela nossa alegria quando seguramos aquele nenêm tão esperado; relembram-nos do drama de ser protegido de uma tragédia que podia ter acontecido.
Pelo fato de que amnésia espiritual muitas vezes ataca o povo de Deus, Ele indicou um remédio para nosso esquecimento. Uma memória por dia pode curar amnésia espiritual.
No VelhoTestamento, lembranças simbólicas da graça de Deus prevalecem. Pilhas de pedras encorajavam gerações a recordar o milagre de atravessar o Rio Jordão. Altares construidos pelos patriarcas e a Arca da Aliança serviam como lembranças visuais para Israel das feitas graciosas de Deus para eles. O arco-iris ainda nos lembra da promessa que Deus nunca inundaria a terra inteira com um diluvio.
O Novo Testamento também acentua o papel de memoriais. Batismo ilustra nossa identificação com Cristo na Sua morte, sepultamento e ressurreição. A celebração da Ceia do Senhor recorda de forma dramática o Corpo quebrado e o Sangue derramado de Cristo: “Fazei isto, em memória de mim.” Ainda precisamos de memoriais, porque não podemos correr o risco de esquecer.
Também precisamos de memoriais porque nos lembram do amor e da fidelidade de Deus hoje. O mesmo Deus que sarou nosso filho, providenciou emprego, ou colocou aquele cheque na nossa caixa postal, ainda anda conosco hoje. Memoriais nos lembram, “Ele não nos trouxe até aqui para nos abandonar.”
Quando saimos do avião, uma dose fria de realidade ameaçou congelar a minha fé. Nossa segundafilha havia nascido no Brasil, e estávamos de volta em Dallas nos EEUU para completar o ultimo semestre do meu mestrado–sem dinheiro, sem emprego, com duas crianças pequenas para cuidar. E agora, o que fariamos?
De alguma forma a situação parecia conhecida. Foi então que lembrei O Cheque. Haviamos passado por tudo isso antes! O mesmo Deus que providenciou o dinheiro para o ultimo semestre de faculdade da minha esposa podia suprir o que faltava agora. Era hora de avançar para o mestrado na escola de fé. As circunstancias talvez mudaram, mas Ele não.
Hoje, um pequeno canudo de formatura tem seu lugar ao lado do Cheque e do parafuso na nossa prateleira de memórias. Deus usou alguns empregos inesperados, algumas ofertas especiais, e um velho seguro de vida que haviamos esquecido para pagar nossas contas. Sua fidelidade no passado nos motivou a perseverar no presente.
Como podemos criar memoriais? Nossa familia começou com uma “tempestade cerebral”. Alistamos eventos chaves em nossas vidas, e anotamos como Deus se provou fiel. Aquela experiência em si não somente nos revelou o quanto Ele havia feito, mas também quanto nós haviamos esquecido.
Depois, decidimos uma estratégia para “memorializar” estes eventos. Um bom memorial deve ser tangivel, facilmente associado com o evento (não muito abstrato), e disponivel (de fácil acesso). Há muitas opções: gravações K-7 ou de video, livros de fotos, diários pessoais, até mesmo uma “cápsula de tempo” que contém simbolos de eventos importantes do ano e deve ser “interrada” num canto da casa ou quintal.
Quando nós nos casamos, eu e a minha esposa construimos uma “casa” miniatura usando mais de 50 caixinhas de fósforo. Cada caixa representa um ano do nosso casamento. Nos aniversários registramos os eventos especiais daquele ano num rolo pequeno que depositamos na caixa.
Recentemente, Gary e Anne Marie Ezzo do ministério “Growing Families International” (“Familias Crescendo, Internacional”) nos mostrou a idéia de um memorial chamado o “Shadow Box” ou “Caixa de Sombras”. Contém várias prateleiras com espaço para guardar e exibir miniaturas que representam momentos especiais em nossas vidas. (Algumas familias têm uma caixa assim na parede das suas casas para guardar enfeites tipo “country”.) Alguns até recomendam que os pais passem uma replica da Caixa de Sombras para seus filhos no dia do seu casamento, assim preservando a história familiar da fidelidade de Deus para mais uma geração. Para nossa familia, essa “prateleira de memórias” nos lembra de uma herança cheia da presença e da proteção de Deus.
Depois de um dia cansativo estávamos assistindo um vídeo na casa de amigos. Keila, nossa quinta filha e ainda neném, estava deitada no chão e brincando na sua colcha. Peguei-a para gozar de um tempo “pai-filha”, quando de repente senti uma sensação estranha nos meus dedos. Olhei, e vi uma cobra coral passando por cima do meu pé descalço, e depois debaixo da colcha da Keila. Era pequena, mas tão perigosa como seu bis-avô–especialmente para um neném.
Hoje, uma pequena cobra de plástico descansa ao lado de um parafuso, O Cheque, e um chapel de formatura como memorial da proteção de Deus em nossas vidas.
Quando devolvi cuidadosamente cada objeto para seu lugar na nossa Prateleira de Memórias, tive que agradecer a Deus por esta herança maravilhosa. Para outros, talvez estas miniaturas seriam nada mais que bugigangas pegando poeira na prateleira. Mas para meus filhos, para minha esposa e para mim falam de um Deus vivo que ainda opera na vida dos Seus queridos. Algum dia continuarão falando para nossos netos. Memoriais da fidelidade de Deus podem tornar a fé dos pais uma fé viva na vida dos filhos. Não podemos correr o risco de esquecer. Neste caso, não há nada errado com uma fé de segunda e terceira-mão.